TRANCE^/^MAZAL






  • ‎"Os Três Reis do Oriente", que encerram os "Contos Exemplares" de Sophia de Mello Breyner, são a mais bela expressão poética da mudança de D-us e da busca humana. Retenho para vós
    o último fragmento.

    «Dirigiu-se Baltasar ao templo de todos os deuses. E leu estas palavras gravadas na pedra do primeiro altar: "Eu sou o deus dos poderosos e àqueles que me imploram concedo a força e o domínio, eles nunca serão vencidos e serão temidos como deuses".

    «Seguiu o rei para o segundo altar e leu: "Eu sou a deusa da terra fértil e àqueles que me veneram concedo o vigor, a abundância e a fecundidade e eles serão belos e felizes como deuses".

    «Encaminhou-se o rei para o terceiro altar e leu: "Eu sou o deus da sabedoria e àqueles que me veneram concedo o espírito ágil e subtil, a inteligência clara e a ciência dos números. Eles dominarão os ofícios e as artes, eles se orgulharão como deuses das obras que criaram".

    «E tendo passado pelos três altares, Baltasar interrogou os sacerdotes: – "Dizei-me, onde está o altar do deus que protege os humilhados e oprimidos, para que eu o implore e adore?"

    «Ao cabo de um longo silêncio, os sacerdotes responderam: – "Desse deus nada sabemos".

    «Naquela noite, o rei Baltasar, depois de a Lua ter desaparecido atrás das montanhas, subiu ao cimo dos seus terraços e disse: – "Senhor, eu vi. Vi a carne do sofrimento, o rosto da humilhação, o olhar da paciência. E como pode aquele que viu estas coisas não te ver? E como poderei suportar o que vi se não te vir?"

    «A estrela ergueu-se muito devagar sobre o céu, a Oriente. O seu movimento era quase imperceptível. Parecia estar muito perto da terra. Deslizava em silêncio, sem que nem uma folha se agitasse. Vinha desde sempre. Mostrava a alegria, a alegria una, sem falha, o vestido sem costura da alegria, a substância imortal da alegria.

    «E Baltasar reconheceu-a logo, porque ela não podia ser de outra maneira».

    Nesta festa, escutei dois amigos. Um continua à procura do sentido da aventura humana. Peço à Sophia que reze por todos os que procuram o rosto de outro Deus.



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  • Os livros sagrados das grandes religiões servem para sustentar tudo e o seu contrário, o bem e o mal. Olhemos para a Bíblia. Tem narrativas, histórias, poemas, provérbios muito belos. Quando, por exemplo, diz que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança para cuidar do mundo como de um jardim, para tratar o outro como irmão (não como Caim tratou Abel), eu não posso estar mais de acordo com essas metáforas acerca de Deus, do mundo e do ser humano. É com esse jardim que vale a pena sonhar. Quando, porém, na Bíblia, um povo coloca, na boca de Deus, projectos nacionalistas, políticas guerreiras contra outros povos, para tomar conta das suas terras, quando exalta matanças «porque eterno é o seu amor», a Bíblia torna-se uma biblioteca de ódio.

    Pelos testemunhos mais fidedignos que temos, Jesus de Nazaré, um judeu, quis acabar com esse deus regional, tribal, dominador, humilhação dos pobres e das mulheres: vós sois todos irmãos, como quem diz, tendes de fazer família com quem não é da vossa família, do vosso povo. Mataram-no.

    Paulo, um judeu convertido ao caminho de Cristo, incarnou uma autêntica revolução religiosa: Deus não faz acepção de pessoas, povos, culturas ou religiões. A última palavra de Cristo, na cruz, não foi para amaldiçoar os inimigos, mas para lhes exprimir um eterno perdão.



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      • Luís Magalhães A crucifixão provocou, no entanto, ódios redobrados. E, entre as próprias Igrejas cristãs, o nome de Cristo foi utilizado para elaborar cristologias que as colocou umas contra as outras. O cisma entre as do Oriente e as do Ocidente, as cisões entre as igrejas do Ocidente, que levaram às chamadas "guerras de religião", permanecem. Entretanto, usou-se o slogan de exclusão que trata mal o próprio Deus: «fora da Igreja não há salvação»...

        Veio o Islão e considera-se a última e mais perfeita revelação de Deus e o Corão o seu ditado. Deu origem a brilhantes civilizações enquanto não proibiu, em nome de Deus, a livre discussão e a liberdade da criação artística. Continua a crescer, mas não faz crescer a paz nem sequer entre os próprios muçulmanos.

        Em suma: todos querem ter a última palavra acerca de Deus e do ser humano e poucos querem seguir o caminho da meditação, da escuta de Deus e dos outros, o caminho dos místicos do judaísmo, do cristianismo e do islão.

        há 5 minutos ·  ·  1

      • Luís Magalhães Mas estarei a reflectir bem?
        há 5 minutos ·  ·  1

      • Luís Magalhães Devo confessar que não tenho um entusiasmo especial por estas sínteses rápidas e simplificadoras de sinuosos milénios de história. Digo a mim próprio, no entanto, que não esqueceria esta reflexão pessoal se ela tivesse acontecido no dia da Epifania, no chamado Dia de Reis. E porquê? Porque é a festa em que Paulo declara que «os gentios receberam a mesma herança que os judeus, pertencem ao mesmo corpo e participam da mesma promessa» (Ef 3, 2-3.5-6). Por outro lado, a narrativa de Mateus (2, 1-12) mostra que os que procuram a Deus não o procuram só nas instituições religiosas: no templo, na sinagoga, na igreja, na mesquita.

        Judeus, cristãos e muçulmanos podem todos dizer que "Deus é amor" e que a paz é o nome das suas religiões. Não devem esquecer, no entanto, que são frases que podem ser ensinadas a qualquer papagaio. Se não tentarem, juntos, vencer os ódios e as guerras, se não voltarem os seus olhos e os seus ouvidos para o mundo das vítimas da fome e da guerra, são cegos, guias de cegos.

        há 3 minutos ·  ·  1





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      • Luís Magalhães Olá Esperança Lima Cunha! Jesus Cristo é, para mim, absolutamente incontornável. Mas o Deus convencional das instituições religiosas ou das negações ateias irrita-me. A autenticidade religiosa é incompatível com a manipulação da ignorância, do medo, da doença ou da morte. O simplismo positivista é uma seca. A utilização do nome de Deus para a dominação moral, religiosa ou política é repugnante.
        há 9 minutos ·  ·  2

  • Os católicos devem estar agradecidos a Paulo VI, que se deslocou à ONU (1965) e se apresentou assim: "Aquele que vos fala é um homem como vós e vosso irmão, e mesmo um dos mais pequenos entre vós, que representais Estados soberanos, enquanto ele não se encontra investido - se quereis considerar-nos sob este ponto de vista - senão de uma minúscula e quase simbólica soberania temporal: a mínima que se torna necessária, para poder exercer livremente a sua missão espiritual e assegurar àqueles que, com ele têm de lidar, que não se encontra dependente de nenhuma das soberanias deste mundo. Não tem qualquer poder temporal, qualquer ambição de entrar em competição convosco. De facto, nós nada temos a pedir, nenhuma exigência a fazer, mas apenas um desejo a formular, uma permissão a solicitar: a de vos poder servir naquilo que cabe no âmbito da nossa competência, com humildade e amor (...). A nossa mensagem quer ser, antes de mais, uma ratificação moral e solene desta nobre instituição. Esta mensagem vem da nossa experiência histórica. É como "perito em humanidade" que trazemos a esta organização o sufrágio dos nossos últimos predecessores, o de todo o episcopado católico e o nosso, convencidos, como estamos, de que esta organização representa o caminho obrigatório da civilização moderna e da paz mundial."
     ·  ·  · há 25 minutos

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      • Luís Magalhães 

        Os católicos devem manifestar, a Bento XVI, a sua alegria, porque ele soube vencer as suas inclinações e ideias privadas de teólogo e o seu gosto pela polémica - presente ainda na aula de Ratisbona - para se colocar, na viagem à Turquia, aoserviço do seu ministério de diálogo ecuménico, inter-religioso, ao serviço da paz. Em vez de se fechar, abriu-se às outras Igrejas cristãs e ao mundo muçulmano.

        Hoje, respondendo ao já evocado desafio de Paulo VI, entregou uma mensagem, A Pessoa Humana, Coração da Paz, a todos os homens e mulheres de boa vontade. É um texto que marca uma nova etapa na reflexão católica. É um discurso diferente do de Kofi Annan. As funções e as respectivas gramáticas sobre as questões do nosso tempo não são as mesmas.

        Bento XVI faz um discurso teológico (in nomine Dei) e o secretário-geral da ONU fala da paz em nome das nações. E assim é que está bem. Uma política, seja ela qual for, só pode invocar o nome de Deus em vão e uma Igreja que se serve do poder político desnatura esse poder e atraiçoa-se a si mesma.

        A concepção da pessoa humana a que se refere é uma concepção teológica. Não fala deste tema a partir das ciências humanas, a partir apenas do exercício da razão, mas a partir do conhecimento que nasce da fé. O Papa pretende colocar os cristãos à altura de responder à exigência levantada por S. Pedro: "Estai sempre prontos a dar razão da vossa esperança, a quem vo-la pedir, com mansidão e respeito" (I Pd 3, 15).

        há 24 minutos ·  ·  1

      • Luís Magalhães 

        Evoca as palavras de João Paulo II, na Assembleia Geral das Nações Unidas, de 5 de Outubro de 1995: "Não vivemos num mundo irracional ou sem sentido, mas (...) existe uma lógica moral que ilumina a existência humana e torna possível o diálogo entre os homens e os povos." Mas Bento XVI acrescenta: "A "gramática" transcendente, ou seja, o conjunto de regras de acção individual e do recíproco relacionamento entre as pessoas, de acordo com a justiça e a solidariedade, está inscrita nas consciências, nas quais se reflecte o sábio projecto de Deus. Como recentemente quis reafirmar, nós cremos que, na origem, está o Verbo eterno, a razão e não a irracionalidade."

        Este Papa assumiu a tarefa de relembrar o que há de mais fundamental: é no respeito e no serviço do ser humano que se mostra a autenticidade da fé em Deus. Por isso, "uma guerra em nome de Deus jamais é aceitável. Quando uma certa concepção de Deus está na origem de actos criminosos, é sinal de que tal concepção já se transformou em ideologia".
        Daqui devem ser tiradas consequências práticas: na liturgia cristã, devem ser abolidas as referências bíblicas que põem na boca de Deus o incitamento de um povo ao ódio e à guerra aos outros povos. É uma questão de decência e de higiene. Um bom ano para a cultura e ecologia da paz!

        há 24 minutos ·  ·  1

  • Alguns exegetas mostram o papel secundário que o nascimento, a infância e a adolescência de Jesus têm nos escritos do Novo Testamento. Os Evangelhos começaram por se interessar só com a vida de Jesus a partir dos 27 anos e, mesmo essa curta existência, é interpretada a partir das experiências com o Ressuscitado que escapa aos métodos do conhecimento histórico. Nas Cartas de Paulo não há alusões senão à ressurreição pela luz que projecta sobre o significado da intervenção de Jesus, reconhecido como Cristo. Em S. Marcos, não há Evangelho da Infância. S. Lucas e S. Mateus projectaram, sobre os primeiros anos da existência de Jesus, o que descobriram na sua vida adulta: Jesus foi tão espantoso na sua intervenção pública que teria de ser concebido e nascer 


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      • Luís Magalhães 

        Deve haver algum cuidado com soluções pastorais precipitadas extraídas dessa exegese. É certo, certíssimo, que a chave de leitura dos textos do Novo Testamento não pode prescindir da convicção de que a morte não pode ser a última palavra sobre a vida e, sobretudo, sobre uma vida tão extraordinária como a de Jesus de Nazaré. As mulheres não o permitiriam e, entre todas, Maria Madalena. Sobre ela muito se tem delirado. Dispomos, no entanto, de estudos que dizem o que se pode saber com rigor histórico (1).

        Pretender eclipsar o Natal com a luz da Páscoa é esquecer que a graça não suprime a natureza. Só morrem e ressuscitam os que nascem. O hino que abre o Evangelho de S. João resolveu as coisas de uma forma brilhante: «o Verbo fez-se carne», fragilidade humana, e estabeleceu a sua tenda entre nós. Desse Presépio jorrou «graça sobre graça» e a luz da verdade tocou a nossa condição (Jo 1, 1-18).

        Cristianizar as festas do Natal não pode consistir em cortar no seu folclore, para o reduzir a uma única versão na diversidade dos povos, das culturas e das épocas que assumem problemáticas muito contrastadas. A diferença entre as narrativas de S. Mateus, S. Lucas e S. João deviam bastar para podermos centrar o olhar sobre o principal sem esquecer a importância da diversidade de perspectivas teológicas e manifestações estéticas.

        As Igrejas têm clamado contra o esquecimento das raízes cristãs no projecto de Constituição Europeia. Neste momento, deveriam também cuidar dos ramos, das flores e dos frutos. Os seus membros não podem deixar que sejam, apenas, as promoções comerciais a gerir o imaginário das festas natalícias. Nunca será demasiado destacar, como agora se tem feito, a importância da recuperação do património artístico do Natal. Essa recuperação serve também para mostrar as carências do presente e a necessidade de investir, hoje, na criatividade popular e erudita.

        há 30 minutos ·  ·  1

      • Luís Magalhães 

        Se, por negligência ou maldade, fosse perdida a referência e os fundamentos confessionais do Natal, mas continuasse a ser a festa dos pobres, dos sem abrigo, dos velhos, dos que não têm ninguém, dos hospitais, dos abandonados, dos esforços para acabar com as guerras, a violência e a marginalidade, o principal não estaria perdido. Se a paz ganhasse a terra, mesmo sem hinos à glória de Deus nas alturas, o Deus do Presépio seria infinitamente louvado. A alegria humana é a maior glória de Deus. Bom Natal!


        (1) Cf. Maria Julieta Mendes Dias / Paulo Mendes Pinto, A Verdadeira História de Maria Madalena, Lisboa, Casa das Letras, 2006.

        há 29 minutos ·  ·  1

  • http://www.triplov.com/poesia/carmo_francisco/

    www.triplov.com
    Prêmio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Colaborou no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses do Instituto Português do Livro. Poeta. Possui uma antologia da sua poesia publicada no Brasil. Jornalista, colaborou entre outros em "A Bola", "Jornal do Sporting", "Re...




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  • Bento XVI diante da catedral de Milão para o 8.º Encontro Mundial das Famílias



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