O versículo quarto do capítulo sexto do Génesis informa: "Ora, naquele tempo havia gigantes na Terra". O tempo referido é o da criação do homem. Se havia gigantes, Adão não era o primeiro homem, tanto mais que a própria Bíblia nos diz que os "filhos de Deus", que eram Adão e sua descendência, casavam-se com as "filhas dos homens". É o que vemos no versículo dois do Cap. VI: "Vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si mulheres", e ainda no versículo quarto, já acima citado: "e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos". Verifica-se no texto uma dubiedade, parecendo haver uma diferença entre os gigantes e os homens, mas não se poderia explicar as "filhas dos homens", se não fossem filhas dos gigantes. Esta dubiedade explica-se pela Mitologia. Os gigantes, na verdade, são figuras mitológicas que aparecem no texto bíblico, da mesma maneira que nos textos hindus, egípcios e na "Gigantemaquia", poema que se considera como fragmento extraviado da "Teogonia" de Hesiodo. A Bíblia herdou dos antigos livros mesopotâmicos a lenda mitológica dos gigantes. Este fato comprova a tese espírita da raça adâmica, que na verdade nada mais é do que o povo hebreu.
O exame do texto bíblico, à luz da Antropologia Cultural e da Mitologia, prova que Adão é apenas o primeiro hebreu e não o primeiro homem [consequência imediata: não há pecado original, já o diz o padre Anselmo Borges por parte da mulher Eva, novamente o teólogo A. Borges]. A lenda de Adão e Eva é o capítulo mitológico da História dos Judeus, como a lenda grega de Deucalião e Pirra é o da História dos Hebreus. As duas histórias se confundem, de tão semelhantes, no caso do dilúvio. Assim como Heleno foi o primeiro homem para os gregos, Adão foi o primeiro para os judeus. A falta de conhecimento histórico e a falsa interpretação teológica da Bíblia transformaram uma antiga lenda mitológica em verdade revelada. O Espiritismo não endossa esse absurdo.
Curioso notar que Deucalião, o Noé grego, e Pirra, sua mulher, tiveram três filhos, como aconteceu com Adão e Eva e depois com Noé. Em todas estas coincidências comprova-se a origem mitológica e a presença dos arquétipos colectivos nas passagens supostamente históricas da Bíblia. Querer sustentar a realidade desses relatos ingénuos e impô-los ao povo como verdade divina é querer confundir religião com superstição. O Espiritismo prefere esclarecer estes problemas à luz da razão.
J. Herculano Pires